13 de maio de 2021

Um pouco da São Paulo negra do passado e do presente

 





São Paulo é a cidade com a maior população negra do Brasil em números absolutos.As histórias dessa população estão por toda parte mas,na maioria das vezes,não são contadas.Neste artigo eu cito alguns desses lugares localizados na região central de São Paulo,bem como alguns personagens importantes desta história.Também discorro um pouco sobre a migração negra atual.

 

1- Bairro da Liberdade

 

Até o final do século XIX a cidade de São Paulo ocupava,majoritariamente,o que hoje nós conhecemos como Centro Velho ou Centro Histórico,ou seja,uma área compreendida entre o Largo São Francisco,o Largo São Bento e a Praça da Sé.A região que atualmente se denomina bairro da Liberdade fazia parte da periferia da cidade e era ocupada por escravos fugitivos ou libertos.Era nessa região que ficava o pelourinho,mais exatamente onde é hoje a Praça João Mendes.Para lá eram levados os negros para serem castigados.





Pelo fato de ser uma área barata,no início do século XX o bairro da Liberdade passou a ser ocupado por imigrantes de origem japonesa que começavam a chegar ao Brasil.Com o crescimento da cidade,essa região foi remodelada e transformada em um espaço nobre.A população negra que ali vivia não conseguiu acompanhar a elevação dos preços da região e teve que se deslocar para outras áreas mais distantes da cidade.

 

2- Tebas

 

Joaquim Pinto de Oliveira(1721-1811),mais conhecido com Tebas,era escravo de um pedreiro português,Bento de Oliveia Lima.Seu trabalho era o de talhar blocos de rocha bruta para a construção de edifícios.Isso o tornou fundamental na modernização de uma São Paulo construída basicamente com taipa,técnica ancestral de utilizar barro para moldar edificações.Na época quem tinha recursos eram as corporações religiosas e a maior parte do seu trabalho foi para essas ordens.Muitas das suas construções não existem mais.É o caso da antiga Catedral da Sé e do Chafariz da Misericórdia.Mas algumas ainda resistem até hoje como a Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco. 

Tebas se tornou livre aos 58 anos de idade e faleceu aos 90.Acredita-se que o seu corpo esteja enterrado no terreno da  Igreja de São Gonçalo,na Praça João Mendes.Mas o reconhecimento do seu talento e da sua importância só ocorreu recentemente.Graças as pesquisas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(IPHAN),Tebas foi declarado oficialmente arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo(SASP) em 2018.Em 2010 foi inaugurada uma estátua em sua homenagem na Praça da Sé.Um trabalho do artista plástico Lumumba.




 3 – Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos



 Localizada no Largo do Paissandú,foi erguida no início do século XX.Originalmente se localizava na Praça Antonio Padro,antigo Largo do Rosário,onde foi construída no ínicio do século XVIII.Era um espaço de encontro de escravos que celebravam ritos católicos misturados com elementos de origem africana e era ali também que muitos foram sepultados.Foi demolida em 1903 por ordem do prefeito da época Antonio da Silva Prado,que promoveu uma reforma na região,e reconstruída onde se encontra atualmente.Na época da demolição da antiga igreja,a prefeitura de São Paulo indenizou a irmandade em 250 contos de réis e doou o terreno onde se encontra a atual igreja.

Para marcar a Praça Antonio Prado como um antigo território negro foi inaugurada,em 20 de novembro de 2016,uma estátua em homenagem ao herói Zumbi dos Palmares.A obra é de autoria do escultor José Maria Ferreira dos Santos.   




Ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,no Largo do Paissandú,encontra-se a escultura da Mãe Preta,do escultor Júlio Guerra.Esculpida em bronze,em 1955,a estátua sintetiza a figura tradicional do período colonial da mãe preta que servia como ama de leite para os filhos da sua dona. 




 4 – Largo da Memória

 

Trata-se de um logradouro histórico localizado no Vale do Anhangabaú,próximo à Praça da Bandeira e que foi construído no final do período colonial.No largo funcionou um mercado de escravos.Alguns conseguiam fugir de lá e se embrenhavam nas matas que circundavam o córrego da Saracura.Daí a origem do quilombo da Saracura,que mais tarde,já no século XX,veio a se tornar o que hoje conhecemos como o bairro do Bixiga.


 

5 – Luís Gama

 

Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador,em 21 de junho de 1830 e faleceu em São Paulo,em 24 de agosto de 1882.Foi escravo dos 10 aos 29 anos.Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar como advogado em prol dos cativos.Acredita-se que tenha conseguido libertar 500 escravos.Por isso é considerado o patrono da abolição da escravidão no Brasil.Embora trabalhasse principalmente na defesa dos negros acusados de crimes,ou para buscar-lhes alforria judicialmente,não se negava a atender graciosamente aos pobres de qualquer raça,havendo casos em que defendera imigrantes europeus lesados por brasileiros.Por essas atuações era chamado de “amigo de todos”.

Atuou também como jornalista.Era autodidata e foi um dos raros intelectuais negros do Brasil,no século XIX.

A sua morte provocou uma grande comoção na cidade.O cortejo saiu do Brás em direção a Consolação e foi seguido por uma multidão de todas as classes sociais e uma banda que tocava acordes tristes.No caminho as lojas fecharam as suas portas e as bandeiras foram hasteadas a meio mastro.

O seu corpo está enterrado no Cemitério da Consolação,na rua 2,sepultura 17.No Largo do Arouche foi erguido um busto em sua memória por ocasião do centenário de seu nascimento,em 1930.


 

6 – Galeria Presidente

 

Consiste num centro comercial inteiramente dedicado à cultura black.Com grande quantidade de salões de beleza especializados em penteados afros,a galeria também possui lojas voltadas à cultura musical do rap,reggae,soul,capoeira,etc e onde se pode encontrar CD’s,LP’s,DVD’s e outros artigos como camisetas,pôsters e muito mais.

Endereço : Rua 24 de maio 116.


 

7 – Imigrantes africanos atuais

 

Não há dados precisos sobre a presença de imigrantes africanos em São Paulo atualmente,pois alguns não estão cadastrados na Polícia Federal,mas estima-se que 300.000 se mudaram para a cidade nos últimos 20 anos.

Vindos de Angola,Nigéria,Senegal,Gana,Guiné Bissau,Mali,Guiné e República Democrática do Congo,entre outras nações,muitos trouxeram na mala tecidos coloridos e acessórios que passaram a vender nas ruas próximas à Praça da República,sobretudo na Barão de Itapetininga.Outros abriram restaurantes de comida africana também nessa área.

É também na Praça da República que todas às segundas-feiras,à noite,um grupo de senegaleses se reúnem para uma sessão de batucadas intercaladas por leituras do Alcorão.Próximo ali,na Avenida Rio Branco,localiza-se uma Igreja Evangélica Nigeriana.


 

“Um homem pode morrer duas vezes : a primeira é a morte física,pela qual todos nós vamos passar um dia.A segunda é quando deixam de falar dele.” Nelson Mandela

 

Escrever sobre a presença do povo negro na cidade de São Paulo,tanto no passado,como no presente,renderia muitas e longas teses.O que eu escrevi aqui é apenas uma gota no oceano.

Segundo dados oficiais,os navios negreiros fizeram,entre os séculos XVI e XIX,mais de 9 mil viagens entre os portos africanos e brasileiros.Estima-se que 5 milhões de africanos tenham desembarcados no Brasil neste período.Nenhum outro país recebeu tantos escravizados.É natural que esse imenso contingente e seus descendentes tenha deixado muitas marcas por aqui.Mas a história do Brasil,infelizmente,é a história do apagamento dessas marcas.

Tenho certeza que o pouco que descrevi aqui é desconhecido por muitas pessoas que vivem nesta cidade.Triste e vergonhoso.

Espero que um dia as escolas brasileiras ensinem melhor a história do Brasil e,mesmo fora delas,não deixemos a segunda morte do povo negro acontecer.  


Veja também : Um pouco do Bixiga Negro

.

.

Fontes : * Tour virtual "São Paulo negra" promovido pelo Guia Negro

              * Wikipédia

Fotos : * 1,2,5,6,7,8 e 9 Izabel Heitor

            * 3 e 4  Google Imagens


            

4 comentários:

  1. Parabéns Izabel, belíssimo resgate histórico. O Brasil tem uma dívida impagável com esse povo. Sei que não é para minha geração, mas acredito que um dia, ainda iremos reconhecer tudo isso. O único presidente da República que fez um movimento nesse sentido, foi o Lula. Grade abraço, e parabéns!!!!!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns, esse artigo tem que ser lido nas escolas e para uma grande maioria que desconhece a nossa história de luta e resistência. Nada contra a colônia japonesa, muito pelo contrário, mas São Paulo não é nada generosa dando destaque aos imigrantes ao bairro da Liberdade e tão pouco lembrando dos negros. Quando eu for ao centro da cidade de São Paulo, irei prestar mais atenção nos locais mencionados em seu artigo.

    ResponderExcluir