São Paulo é a cidade com a maior população negra do Brasil em números absolutos.As histórias dessa população estão por toda parte mas,na maioria das vezes,não são contadas.Neste artigo eu cito alguns desses lugares localizados na região central de São Paulo,bem como alguns personagens importantes desta história.Também discorro um pouco sobre a migração negra atual.
1-
Bairro da Liberdade
Até o final do século XIX a cidade de São Paulo
ocupava,majoritariamente,o que hoje nós conhecemos como Centro Velho ou Centro
Histórico,ou seja,uma área compreendida entre o Largo São Francisco,o Largo São
Bento e a Praça da Sé.A região que atualmente se denomina bairro da Liberdade
fazia parte da periferia da cidade e era ocupada por escravos fugitivos ou
libertos.Era nessa região que ficava o pelourinho,mais exatamente onde é hoje a
Praça João Mendes.Para lá eram levados os negros para serem castigados.
Pelo fato de ser uma área barata,no início do século XX o bairro da Liberdade passou a ser ocupado por imigrantes de origem japonesa que começavam a chegar ao Brasil.Com o crescimento da cidade,essa região foi remodelada e transformada em um espaço nobre.A população negra que ali vivia não conseguiu acompanhar a elevação dos preços da região e teve que se deslocar para outras áreas mais distantes da cidade.
2-
Tebas
Joaquim Pinto de Oliveira(1721-1811),mais conhecido
com Tebas,era escravo de um pedreiro português,Bento de Oliveia Lima.Seu
trabalho era o de talhar blocos de rocha bruta para a construção de edifícios.Isso
o tornou fundamental na modernização de uma São Paulo construída basicamente
com taipa,técnica ancestral de utilizar barro para moldar edificações.Na época
quem tinha recursos eram as corporações religiosas e a maior parte do seu
trabalho foi para essas ordens.Muitas das suas construções não existem mais.É o
caso da antiga Catedral da Sé e do Chafariz da Misericórdia.Mas algumas ainda
resistem até hoje como a Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da Igreja das Chagas do
Seráfico Pai São Francisco.
Tebas se tornou livre
aos 58 anos de idade e faleceu aos 90.Acredita-se que o seu corpo esteja enterrado no terreno da Igreja de
São Gonçalo,na Praça João Mendes.Mas o reconhecimento do seu talento e da sua
importância só ocorreu recentemente.Graças as pesquisas do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(IPHAN),Tebas foi declarado
oficialmente arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos do Estado de São
Paulo(SASP) em 2018.Em 2010 foi inaugurada uma estátua em sua homenagem na
Praça da Sé.Um trabalho do artista plástico Lumumba.
Para marcar a Praça
Antonio Prado como um antigo território negro foi inaugurada,em 20 de novembro
de 2016,uma estátua em homenagem ao herói Zumbi dos Palmares.A obra é de
autoria do escultor José Maria Ferreira dos Santos.
Ao lado da Igreja
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,no Largo do Paissandú,encontra-se a
escultura da Mãe Preta,do escultor Júlio Guerra.Esculpida em bronze,em 1955,a
estátua sintetiza a figura tradicional do período colonial da mãe preta que
servia como ama de leite para os filhos da sua dona.
Trata-se de um
logradouro histórico localizado no Vale do Anhangabaú,próximo à Praça da
Bandeira e que foi construído no final do período colonial.No largo funcionou
um mercado de escravos.Alguns conseguiam fugir de lá e se embrenhavam nas matas
que circundavam o córrego da Saracura.Daí a origem do quilombo da Saracura,que
mais tarde,já no século XX,veio a se tornar o que hoje conhecemos como o bairro
do Bixiga.
5 – Luís Gama
Luís Gonzaga Pinto da
Gama nasceu em Salvador,em 21 de junho de 1830 e faleceu em São Paulo,em 24 de
agosto de 1882.Foi escravo dos 10 aos 29 anos.Conquistou judicialmente a
própria liberdade e passou a atuar como advogado em prol dos cativos.Acredita-se
que tenha conseguido libertar 500 escravos.Por isso é considerado o patrono da
abolição da escravidão no Brasil.Embora trabalhasse principalmente na defesa
dos negros acusados de crimes,ou para buscar-lhes alforria judicialmente,não se
negava a atender graciosamente aos pobres de qualquer raça,havendo casos em que
defendera imigrantes europeus lesados por brasileiros.Por essas atuações era
chamado de “amigo de todos”.
Atuou também como
jornalista.Era autodidata e foi um dos raros intelectuais negros do Brasil,no
século XIX.
A sua morte provocou
uma grande comoção na cidade.O cortejo saiu do Brás em direção a Consolação e
foi seguido por uma multidão de todas as classes sociais e uma banda que tocava
acordes tristes.No caminho as lojas fecharam as suas portas e as bandeiras
foram hasteadas a meio mastro.
O seu corpo está
enterrado no Cemitério da Consolação,na rua 2,sepultura 17.No Largo do Arouche
foi erguido um busto em sua memória por ocasião do centenário de seu
nascimento,em 1930.
6 – Galeria Presidente
Consiste num centro
comercial inteiramente dedicado à cultura black.Com grande quantidade de salões
de beleza especializados em penteados afros,a galeria também possui lojas
voltadas à cultura musical do rap,reggae,soul,capoeira,etc e onde se pode
encontrar CD’s,LP’s,DVD’s e outros artigos como camisetas,pôsters e muito mais.
Endereço : Rua 24 de
maio 116.
7 – Imigrantes africanos atuais
Não há dados precisos
sobre a presença de imigrantes africanos em São Paulo atualmente,pois alguns
não estão cadastrados na Polícia Federal,mas estima-se que 300.000 se mudaram
para a cidade nos últimos 20 anos.
Vindos de
Angola,Nigéria,Senegal,Gana,Guiné Bissau,Mali,Guiné e República Democrática do
Congo,entre outras nações,muitos trouxeram na mala tecidos coloridos e
acessórios que passaram a vender nas ruas próximas à Praça da
República,sobretudo na Barão de Itapetininga.Outros abriram restaurantes de
comida africana também nessa área.
É também na Praça da
República que todas às segundas-feiras,à noite,um grupo de senegaleses se
reúnem para uma sessão de batucadas intercaladas por leituras do
Alcorão.Próximo ali,na Avenida Rio Branco,localiza-se uma Igreja Evangélica
Nigeriana.
“Um homem pode morrer duas vezes : a primeira é
a morte física,pela qual todos nós vamos passar um dia.A segunda é quando
deixam de falar dele.” Nelson Mandela
Escrever sobre a
presença do povo negro na cidade de São Paulo,tanto no passado,como no
presente,renderia muitas e longas teses.O que eu escrevi aqui é apenas uma gota
no oceano.
Segundo dados
oficiais,os navios negreiros fizeram,entre os séculos XVI e XIX,mais de 9 mil
viagens entre os portos africanos e brasileiros.Estima-se que 5 milhões de
africanos tenham desembarcados no Brasil neste período.Nenhum outro país
recebeu tantos escravizados.É natural que esse imenso contingente e seus
descendentes tenha deixado muitas marcas por aqui.Mas a história do
Brasil,infelizmente,é a história do apagamento dessas marcas.
Tenho certeza que o
pouco que descrevi aqui é desconhecido por muitas pessoas que vivem nesta
cidade.Triste e vergonhoso.
Espero que um dia as escolas brasileiras ensinem melhor a história do Brasil e,mesmo fora delas,não deixemos a segunda morte do povo negro acontecer.
Veja também : Um pouco do Bixiga Negro
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Fontes : * Tour virtual "São Paulo negra" promovido pelo Guia Negro
* Wikipédia
Fotos : * 1,2,5,6,7,8 e 9 Izabel Heitor
* 3 e 4 Google Imagens
Parabéns Izabel, belíssimo resgate histórico. O Brasil tem uma dívida impagável com esse povo. Sei que não é para minha geração, mas acredito que um dia, ainda iremos reconhecer tudo isso. O único presidente da República que fez um movimento nesse sentido, foi o Lula. Grade abraço, e parabéns!!!!!
ResponderExcluirObrigada Paulo. Muito obrigada.
ExcluirParabéns, esse artigo tem que ser lido nas escolas e para uma grande maioria que desconhece a nossa história de luta e resistência. Nada contra a colônia japonesa, muito pelo contrário, mas São Paulo não é nada generosa dando destaque aos imigrantes ao bairro da Liberdade e tão pouco lembrando dos negros. Quando eu for ao centro da cidade de São Paulo, irei prestar mais atenção nos locais mencionados em seu artigo.
ResponderExcluirQue bom Hélio. Fico feliz que tenha gostado.
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