13 de maio de 2023

Um pouco da zona leste negra.

 


A população negra é 54% da população absoluta do Brasil,segundo o IBGE.

Desde a sua chegada ao Brasil no século 16 ,essa população,quando não estava nas senzalas, estava  segregada em espaços afastados,quer nos bairros periféricos  das cidades,quer nos territórios  quilombolas.  

Na cidade de São Paulo não foi diferente.Bairros como Liberdade e Bixiga,na região central,ou Barra Funda,na zona oeste, tiveram,num segundo momento de ocupação,a forte presença da população negra.

No caso da zona leste essa ocupação aconteceu em bairros como Penha,Vila Matilde e Vila Esperança,por exemplo.Atualmente esses bairros não são considerados periféricos do ponto de vista geográfico.Devido ao crescimento da cidade e ao processo de gentrificação ,boa parte da população negra que vivia nesses espaços foi forçada a se deslocar para espaços mais longes.Os que ainda permanecem mantem diversas organizações que tem por objetivo preservar as tradições religiosas e culturais dos afrodescendentes.

Como espaços da presença negra na zona leste podem-se destacar :

 

1 – Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Penha de França



É a única edificação erguida por negros que se mantém intacta em seu local original. A construção teve início em 24 de julho de 1904, quando a pedra fundamental foi lançada.O templo só veio a ser inaugurado dois anos depois com o traslado das imagens sendo feito nos dias 21 e 22 de abril de 1906.

A importância desta igreja deriva do fato de ter sido inteiramente construída pela Irmandade dos Homens Pretos, grupo fundado por negros no século XVIII. Seu significado transcende a simplicidade do pequeno edifício, feito em taipa de pilão e contando apenas com uma nave, capela-mor, galeria lateral e sacristia. Além de ser um patrimônio material da cidade de São Paulo com a sua arquitetura colonial paulista e tombado pelo CONDEPHAAT em 1982, é um local de cultura afro-brasileira que resiste até os dias atuais graças às ações culturais como a Festa dos Homens Pretos. A festa ocorre anualmente sempre no mês de junho e faz parte do calendário oficial da cidade de São Paulo.Tem início no primeiro domingo do mês com o levantamento do mastro e atinge o ponto alto quando ocorre a coroação dos reis da festa e a apresentação de grupos de congadas e maracatus vindos de várias regiões. Além disso,sempre no primeiro domingo de cada mês,às 10 horas, ocorre uma missa inculturada.

Avenida Penha de França 4.

 

2 – Estátua de Itamar Assumpção




Em 2021 foi inaugurada,na entrada do Centro Cultural da Penha,uma estátua em homenagem ao compositor e cantor negro que morou por muitos anos no bairro. O trabalho foi feito em bronze pelo escultor Leandro Junior.

O artista foi conhecido por utilizar diversos gêneros musicais em suas criações, como o samba, o rock, funk e até reggae. As composições eram carregadas de críticas sociais e  Assumpção se tornou uma referência da música independente.

Largo do Rosário 20.

 

3 – Praça Dona Micaela Vieira




Tia Micaela Vieira,como era conhecida,foi a única parteira do bairro da Penha entre o final do século XIX e começo do século XX.Muitos penhenses daquela época  nasceram pelas suas mãos. Residia junto ao Grupo Escolar Santos Dumont, na Praça 8 de Setembro, em casa feita de taipas, onde hoje se ergue o edifício Santa Amália.  Não olhando, muitas vezes, distâncias a percorrer, fazia o seu trabalho exaustivamente, quase sempre sem interesses lucrativos,a pé ou a cavalo.

Em homenagem a essa moradora tão ilustre,a praça localizada no cruzamento das Ruas Padre João e Doutor João Ribeiro,recebeu o seu nome.É uma praça pequena,mas muito gostosa.É arborizada,com bancos,aparelhos de ginástica,banca de jornais e revistas,pontos de ônibus e táxis.

Outra homenagem que a Tia Micaela Vieira recebeu foi a criação de um cordão carnavalesco em 2018. O Cordão da Dona Micaela desfila pelas ruas do bairro da Penha de França todos os anos no carnaval.

 

4 – Largo do Peixe




Delimitado pelas Ruas Joaquim Marra e José Mascarenha,na Vila Matilde,está o Largo do Peixe.

Era nesse local que Alberto Alves da Silva,o “Seu Nenê”,acompanhado de outras pessoas,fazia rodas de samba e tiririca(capoeira paulistana). Como consequência desses encontros nasceu o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Nenê de Vila Matilde,no final de 1948.

Uma das escolas de samba mais tradicionais de São Paulo,a Nenê da Vila Matilde foi onze vezes campeã do carnaval paulistano.Atualmente faz parte do Primeiro Grupo de Acesso.As cores são o azul e o branco e seu símbolo é a águia.

Seu Nenê foi durante toda a vida da escola o seu presidente. Só passou o comando em 1996 para seu filho, Alberto Alves da Silva Filho, em razão da idade, mas continuou a desfilar na sua escola até falecer em 2010.

 

5 – Igreja Nossa Senhora da Esperança




Construída na década de 1930,a Igreja Nossa Senhora da Esperança é administrada pelos Monges Beneditinos Olivetanos e está localizada na Vila Esperança.

Era na frente desta igreja que,durante muitos anos,se concentravam as associações carnavalescas que depois partiam pelas ruas da Vila Esperança fazendo o que era considerado um dos melhores carnavais de rua de São Paulo e atraia multidões. Sambistas ilustres como Elza Soares e Adoniran Barbosa chegaram a participar destas festas.

Refrão da canção “Vila Esperança”,de Adoniran Barbosa :

VILA ESPERANÇA ·

FOI LÁ QUE EU PASSEI

O MEU PRIMEIRO CARNAVAL

VILA ESPERANÇA

FOI LÁ QUE EU CONHECI

MARIA ROSA, MEU PRIMEIRO AMOR

O carnaval da Vila Esperança ainda existe,mas a concentração agora é próxima a Estação de Metrô Vila Matilde.

 

“Até que os leões contêm as suas próprias histórias,os caçadores serão sempre os heróis das narrativas das caças.” Provérbio africano.

São Paulo é a cidade com a maior população negra do Brasil em números absolutos.As histórias dessa população estão por toda parte mas,na maioria das vezes,não são contadas. Escrever sobre a presença do povo negro na zona leste da cidade de São Paulo,tanto no passado,como no presente,renderia muitas e longas teses.O que eu escrevi aqui é apenas uma gota no oceano.


Veja também :

Um pouco do Bixiga negro. 

Um pouco da São Paulo negra do passado e do presente.

 

Fonte : pesquisa no Google e ida a campo com o Sesc Bom Retiro.

Fotos : Izabel Heitor.

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